terça-feira, agosto 10, 2010

Ode à cebola / Oda a la cebolla

(Pablo Neruda - Antologia Popular/ Odas elementales [1954])

Ninguém escreve poemas de amor como Prémio Nobel da Literatura Pablo Neruda. No entanto toda a gente que escreve poemas, ou quase toda pelo menos, aborda o assunto mais cedo ou mais tarde e não são raros os poemas de amor belíssimos, surpreendentes, enternecedores e até arrebatadores.

Ser, no entanto, capaz de escrever um poema de amor a coisas tão corriqueiras como uma cebola, isso, sim, é digno de nota.
Este poema surpreendeu-me não só pela temática, mas sobretudo pela inspiração poética a enorme beleza contida numa simples cebola e aquilo que ela é capaz de evocar em Neruda. Se, como dizem os franceses, os homens se conquistam pelo olho e as mulheres pelo ouvido, não admira que Neruda tivesse muito sucesso com o sexo oposto. Tentei traduzir o poema, mas pelo respeito que o Sr. Neruda me merece, incluí também a versão original.

Cebola
luminosa redoma,
pétala a pétala
se formou a tua formusura
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra escura
se tornou redondo o teu ventre de orvalho.

Debaixo da terra
aconteceu o milagre
e quando apareceu
o teu torpe talo verde,
e nasceram
as tuas folhas como espadas na horta,
a terra acumulou o seu poderio
mostrando a tua desnuda transparência
e como para Afrodite o mar remoto
duplicou a magnólia
levantando os seus seios,
a terra
te fez assim,
cebola,
clara como um planeta,
e destinada
a reluzir,
constelação constante,
redonda rosa de água
sobre
a mesa
das gentes pobres.

Generosa
desfazes
o teu globo de frescura
na consumação
fervente da onda,
e o pedaço de cristal
no calor acendido do azeite
se transforma em ondulada pluma de ouro.

Também recordarei como fecunda
a tua influência o amor da salada
e parece que o céu contribui
dando-te fina forma de granizo
ao celebrar a tua claridade picada
sobre os hemisférios de um tomate.

Mas ao alcance
das mãos do povo,
regada com azeite,
salpicada
com um pouco de sal,
matas a fome
do jornaleiro no duro caminho.
Estrela dos pobres,
fada madrinha
envolta em delicado
papel, sais do solo,
eterna, intacta, pura
como semente de astro,
e ao cortar-te
a faca na cozinha
sobe a única lágrima
sem pena.
Fizeste-nos chorar sem nos afligires.

Eu celebrei tudo quanto existe, cebola,
mas para mim és
mais formosa que uma ave
de plumas ofuscantes,
és para os meus olhos
globo celeste, taça de platina,
baile imóvel
de anémona nevada
e vive a fragrância da terra
na tua natureza cristalina.

*********************************************************************************

Cebolla
luminosa redoma,
pétalo a pétalo
se formó tu hermosura,
escamas de cristal te acrecentaron
y en el secreto de la tierra oscura
se redondeó tu vientre de rocío.

Bajo la tierra
fue el milagro
y cuando apareció
tu torpe tallo verde,
y nacieron
tus hojas como espadas en el huerto,
la tierra acumuló su poderío
mostrando tu desnuda transparencia,
y como en Afrodita el mar remoto
duplicó la magnolia
levantando sus senos,
la tierra
así te hizo,
cebolla,
clara como un planeta,
y destinada
a relucir,
constelación constante,
redonda rosa de agua,
sobre
la mesa
de las pobres gentes.

Generosa
deshaces
tu globo de frescura
en la consumación
ferviente de la olla,
y el jirón de cristal
al calor encendido del aceite
se transforma en rizada pluma de oro.

También recordaré cómo fecunda
tu influencia el amor de la ensalada
y parece que el cielo contribuye
dándote fina forma de granizo
a celebrar tu claridad picada
sobre los hemisferios de un tomate.

Pero al alcance
de las manos del pueblo,
regada con aceite,
espolvoreada
con un poco de sal,
matas el hambre
del jornalero en el duro camino.
Estrella de los pobres,
hada madrina
envuelta en delicado
papel, sales del suelo,
eterna, intacta, pura
como semilla de astro,
y al cortarte
el cuchillo en la cocina
sube la única lágrima
sin pena.
Nos hiciste llorar sin afligirnos.

Yo cuanto existe celebré, cebolla,
pero para mí eres
más hermosa que un ave
de plumas cegadoras,
eres para mis ojos
globo celeste, copa de platino,
baile inmóvil
de anémona nevada
y vive la fragancia de la tierra
en tu naturaleza cristalina.

1 comentário:

R. disse...

O génio que transforma em beleza tudo quanto a sua pena toca.
Magnífico achado!