terça-feira, maio 11, 2010

Recuerdos de Valencia

"La Nau" (2007)

"As tardes em "La Nau" eram sempre muito agradáveis.
Para começar, o espaço era calmo, acolhedor e vivo. A esplanada do café era num pequeno átrio do edifício, face à loja da Universidade. Ali a luminosidade era perfeita, sem luz solar directa e havia sempre uma levíssima brisa amena. A própria "cafeteria" era excelente quer pela simpatia dos empregados, pela qualidade do café e mesmo pela variedade da oferta, coisas raras em Espanha.
Mas o que fazia o local valer realmente a pena eram os seus visitantes.
Velhas amigas que se juntavam para a tertúlia ocasional, "cotillando", partilhando histórias; os estudantes que liam manuais pesados ou que pelo menos os mantinham abertos enquanto conversavam entre cigarros; o rapaz que lia o jornal ininterruptamente; as raparigas que mostravam umas às outras as mensagens que tinham recebido no telemóvel.
No entanto, sem sombra de dúvida, o grupo mais interessante era sempre o das velhas senhoras.
Chegavam aos poucos, eram de classe alta ou média alta e o próprio grupo exalava um perfume doce e caro.
Poucas fumavam e todas combinavam a roupa com cuidado.
Às primeiras quatro juntavam-se outras duas, depois uma e outra e mais outra, como quem vai acrescentando cubos a uma construção.
A conversa era tão animada que as saudações [saúdos, no original... Uma pessoa acultura-se mesmo aos sítios onde vive eheh] às que chegavam eram subtis e pouco vocalizadas para não abrandar o ritmo das últimas e animadas cusquices.
Lembro-me de as observar de forma mais ou menos discreta: era quase irresistível.
Quem seriam? Como se teriam conhecido?
Embora tivessem um estilo de vestir muito parecido, deixavam transparecer um pouco da sua personalidade.
O meu olhar era invariavelmente atraído para a senhora simpática que se vestia com um estampado floral oriental, de cabelo simples e sorriso constante. Não falava muito mas era frequentemente uma interlocutora de eleição. Imaginava-a mãe de família e avó predilecta a quem o marido traía com uma mulher mais nova e fogosa, repousando depois nos seus braços e cuidados extremosos. Sabe-lo-ia, ela? É possível que sim, mas nunca o deixasse transparecer.
A loura platinada de baton rosa e vestido "verde-el-corte-inglés" fazia contraponto com a amiga de cabelo armado com uma generosa quantidade de laca que se sentava do outro lado da mesa, cujos comentários mordazes e gargalhadas se ouviam em toda a parte.
A senhora de madeixas muito louras e cabelo bem curto com acentuado gosto pelos doutrados usava uma bengala.
Conversavam sobre casamentos, contas, gente que está a ficar surda e louca. Dos outros sem noção e das boas respostas à ofensas.
Todas tinham aspecto de quem voltava do cabeleireiro. Bebiam horchatas e água. E reuniam-se infalivelmente todas as semanas.
Que interessantes eram com o seu ócio e a sua boa disposição!
O volume das suas conversas crescia consoante o entusiasmo e o número de interlocutoras.
Quando se tornava insustentável estudar com semelhante ruído, colocava os auriculares do MP3 e ficava a ouvir a minha mistura absurda de música.
No entanto, este grupo de oito conseguia
sempre distrair-me e a cada novo olhar havia algo novo para ser visto ou para reparar."

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