domingo, maio 09, 2010

Shakespeare: To be, or not to be (comentado)

To be, or not to be: that is the question:

Acho curioso como esta simples frase é tão conhecida e no entanto a vasta maioria das pessoas que conhece este adágio, não faz a menor ideia do que se segue no poema, de qual é o argumento que Hamlet tenta fazer - o que é pena, porque me parece que o melhor vem a seguir :)


Whether 'tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,

Or to take arms against a sea of troubles,

And by opposing end them?

Quando o sujeito poético diz esta parte está inteligente e elegantemente a ludibriar quem o lê/ ouve. Então o que é mais nobre? Sofrer as torturas da má fortuna ou enfrentar um mar de problemas e, opondo-se, acabar com eles?

Pois é, mas a forma como Hamlet prevê que termine esse "sea of troubles" é:

To die: to sleep;
No more;

E o que é isto de morrer?

and by a sleep to say we end

The heart-ache and the thousand natural shocks

That flesh is heir to, 'tis a consummation

Devoutly to be wish'd.

A morte é o alívio. Uma consumaç
ão, a ser desejada com devoção.

To die, to sleep;

To sleep: perchance to dream: ay, there's the rub;
For in that sleep of death what dreams may come
When we have shuffled off this mortal coil,

Mas aqui está a verdadeira questão! Morrer, dormir. Dormir, sonhar. E que tipo de sonhos poderão advir uma vez que não tenhamos já corpo para podermos deles acordar?


Must give us pause: there's the respect

That makes calamity of so long life;

É isso, defende, que nos agarra à vida e ainda nos faz hesitar sobe se preferimos a calamidade da vida ou o alívio da morte.


For who would bear the whips and scorns of time,

The oppressor's wrong, the proud man's contumely,

The pangs of despised love, the law's delay,
The insolence of office and the spurns
That patient merit of the unworthy takes,
When he himself might his quietus make
With a bare bodkin?

E aqui com a beleza poética em que Shakespeare realmente é mestre, retoma o argumento: quem suportaria as opressões, as humilhações, as dores de coração e alma, se cada um de nós soubesse que poderia ter a paz, simplesmente por deixar de viver?


who would fardels bear,

To grunt and sweat under a weary life,
But that the dread of something after death,

É o medo de algo depois da vida que nos faz aguentar aquilo que aguentamos.

The undiscover'd country from whose bourn

No traveller returns, puzzles the will

And makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of?


(eu faço sempre uma pausa neste trecho. Adoro a ideia: a morte é um país desconhecido de onde nenhum viajante regressa) E começa aqui uma transição importante: já sabemos que suportamos a vida porque não sabemos o que vem depois e temos medo do que daí possa advir. Mas aqui ele acrescenta: puzzles the will. Este receio, esta ideia, esta consciência detém a nossa vontade.

Thus conscience does make cowards of us all;


Então essa consciência faz de todos nós cobardes. O que em si mesmo é um argumento brilhante, porque sabemos que Hamlet contempla o suicídio o que pode em si mesmo ser considerado um acto de cobardia; no entanto, ele conseguiu com sucesso até este ponto estabelecer o argumento de que temer a morte é que é um acto de cobardia.
Então em que ficamos: devoutly to be wished ou to be dreaded? O suicídio é um acto de coragem ou um acto de cobardia?

And thus the native hue of resolution

Is sicklied o'er with the pale cast of thought,
And enterprises of great pith and moment
With this regard their currents turn awry,
And lose the name of action.

Apesar de este texto ser dedicado às contemplações acerca da morte e do suicídio, para mim estes últimos versos, a partir de "Thus conscience makes cowards of us all", têm outras interpretações que muito têm a ver com a capacidade de iniciativa, e as vantagens daquilo a que comummente se chama o "sangue novo", esta característica de estabelecer projectos e ideias que não contemplam perfeitamente o status quo e que fazem as pessoas mais sábias franzir o sombrolho - mas que por vezes funcionam por isso mesmo. Porque não lhes foi lançado "the pale cast of thought". Decidiu-se fazer e fizeram.


E esta contemplação global acerca da vida e da morte, na verdade e a meu ver, pode ser aplicada a outras decisões na vida de uma pessoa, dependendo da carga emocional e do peso que cada decisão possa ter na vida de cada um, seja a escolha de um curso na Universidade ( escolhi este? e depois de escolher, quando voltar atrás é tão difícil ou impossível... Será que fiz bem?), permanecer ou sair de uma relação, de um emprego de um hábito de longa de data que já não nos deixa felizes mas sem o qual já não sabemos estar: to be, or not to be: that is the question!

2 comentários:

sem-se-ver disse...

está tão bom que apetece roubar todinho :-))

Helena Martins disse...

be my guest! :))