terça-feira, abril 06, 2010

Todos os verbos


Quando aceitou que não tinha controlo sobre a situação, sentiu-se aliviada.

Dava voltas e mais voltas à cabeça, refazia os acontecimentos passados vezes sem conta e dava sempre por si a fazer alguma coisa de que se arrependia depois.

A vida é demasiado curta.

Depois pensava na canção da Zélia Duncan e dizia-se “errar é útil”, sem no fundo acreditar nisso. Porque se errar nos torna mais humanos, mais compreensivos, sensíveis e tolerantes aos outros, também significa que não ainda não sabemos fazer algo bem. E que vamos ter de aprender de alguma forma, nem que seja ouvindo o sermão mono-visionário de alguém que acertou à primeira e que acha que existe UMA maneira de fazer as coisas, porque assim resultou consigo.

A mesma canção continua a dizer que “sofrer é chato/chorar é triste/sorrir é rápido”, esquecendo a auto-recriminação. Mas e daí “auto-recriminar-se é um longo exercício de masoquismo” era capaz de não resultar tão bem na curta métrica da canção.

Mas sentia. Sentia! E isso era tão raro num ser lógico e racional como ela que mesmo os bocadinhos de angústia eram sorvidos quase com deleite. “É a isto que sabe!” pensava quando sentia uma pontada. Sentia e estudava o sentimento torturando-se um pouco para perceber as suas sensações, como fazem as crianças com os objectos novos.

A Zélia continuava “Não ver é fácil” e um grande sorriso de cumplicidade com a música saiu-lhe espontaneamente. E mais uma vez pensou que faltava à canção dizer “ignorar-se o que se vê é fácil”.

Trair é tátil
Olhar é móvel
Falar é mágico
Calar é tático

Desfazer é árduo

Esperar é sábio

Refazer é ótimo

Amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo

No seu devaneio matinal recordava-se de ler algures que o “amor romântico” de que falam tantas canções de hoje era uma invenção do século XVIII e que nesse sentido não deixava de ser paradoxal que as pessoas hoje em dia o interpretassem e sentissem como algo de “instintivo” e “animal”.

Abraçar é quente
Beijar é chama
Pensar é ser humano
Fantasiar também
Nascer é dar partida
Viver é ser alguém
Saudade é despedida
Morrer um dia vem
Mas amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo

Se alguma vez conheceria o “amor romântico” era algo que lhe escapava, mas sabia que queria continuar a viagem por mais tempestuosa que pudesse ser, porque ao cabo e ao resto, viver, ao contrário do que diz a música, não é ser alguém, viver é sentir (como aliás já aqui se tinha visto!).

1 comentário:

eternal sunshine disse...

fiquei com um arrepio (e percorreu-me o corpo todo). é magnífico sentir(es). lindo. beijo***