Então eu desenhei.
Olhou atentamente, e disse:
- Não! Essa já está muito doente. Desenha outra.
Desenhei de novo.
Meu amigo sorriu com indulgência:
- Bem vês que isto não é uma ovelha. É um carneiro... Olha os chifres...
Fiz mais uma vez o desenho.
Mas ele foi recusado como os precedentes:
- Esta é muito velha. Quero uma ovelha que viva muito.
Então, perdendo a paciência, como tinha pressa de desmontar o motor, rabisquei o desenho ao lado.
E arrisquei:
- Esta é a caixa. O carneiro está dentro.
Mas fiquei surpreso de ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz:
- Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse carneiro?
- Por quê?
- Porque é muito pequeno onde eu moro...
- Qualquer coisa chega. Eu te dei um carneirinho de nada!
Inclinou a cabeça sobre o desenho:
- Não é tão pequeno assim... Olha! Adormeceu...
E foi desse modo que eu travei conhecimento, um dia, com o pequeno príncipe.
Hoje, enquanto voltava ao "Principezinho" de Saint-Exupery, foi-me impossível não parar de novo neste excerto e compará-lo a um outro conceito diferente: os chamados "jogos de sedução".
O Principezinho pede ao aviador que lhe desenhe uma ovelha, mas nenhuma das ovelhas que ele rabisca, por mais cuidados que tenha, o satisfazem: ora parece doente, ora é velha, etc, etc, e quantas mais ovelhas o aviador continuasse a desenhar, mais defeitos o Pricipezinho lhe poria. A única solução foi fazer uma caixa e dizer: o que tu queres está lá dentro.
Este acto de deixar à consideração do outro, de o fazer adivinhar como será o que está dentro da caixa, torna o seu conteúdo "perfeito" ou pelo menos interessante/apaixonante aos olhos da pessoa que não sabe o que está guardado; e a chave muitas vezes está não só na forma como vamos desvendando o que está escondido da vista, mas também o facto de a pessoa ter de "abrir a caixa".
Muito à semehança daquilo que fazemos na generalidade dos jogos de sedução, a ideia é não mostrar demasiado de uma só vez, deixando o outro curioso e interessado, até lhe desvendar o seu conteúdo, aos poucos, e apenas se ele usar a chave certa para a abrir.
Por vezes, descobrimos depois que o conteúdo da caixa não é bem o que queríamos à partida, mas afinal até nos dá mais jeito, outras que afinal não nos interessa mesmo nada... Mas a nossa disponibilidade para tentar está muitas vezes condicionada pelo facto de nos ser apresentada a priori uma ovelha com todos os seus defeitos e virtudes declarados, ou uma caixa fechada, onde pode estar qualquer coisa.
E, é claro, que toda esta conversa de caixas, omite ainda uma importante caractística humana, de adaptabilidade e capacidade de mudança: quem diz que aquilo que entrou na caixa é necessariamente aquilo que sai? E quantas vezes damos por nós a mudar e a conceber projectos de vida que nunca tínhamos imaginado fazer?
E tudo isto, porque nos "encaixamos"...
Sem comentários:
Enviar um comentário