quarta-feira, agosto 08, 2007

Idade

Visitei hoje a minha avó.

Gosto muito da minha avó. Se não fosse pelo simples e inexpugnável facto de que ela é minha avó, gosto também muito da "Ti'Helena" porque tem sentido de humor e apesar de toda a gente a temer um pouco, ela dá-me - a mim em especial - espaço para lhe dizer as maiores barbaridades, coisa que a faz sempre sempre sorrir.

Isso não significa que eu não perceba os seus defeitos.

Em geral, a minha avó nunca foi uma pessoa doce ou meiga. Incapaz de uma palavra suave ou de apoio, toda a vida (e sobretudo depois da morte do meu avô) achou que podia por e dispor de tudo e todos à sua volta, sem pedir licença ou usar delicadeza.

Fez muita coisa questionável, mas essa não foi nem de longe nem de perto a sua "perdição".

O que realmente a "perdeu" foi o nunca ter percebido como chegar aos outros, mesmo aos mais próximos por meio de carinho e afecto. Foi o não perceber que o mundo não gira à sua volta, a tempo de ser feliz. Foi o ter falhado na compreensão de que se queremos amor e respeito, temos de dar amor e respeito.

Esta falta de clarividência não só a isolou (porque ninguém quer visitar uma mulher resingona que tudo o que sabe é dizer mal de quem a vai ver) como a diminuiu fisicamente. Aos poucos, deixou de fazer a malha e o crochet em que era tão exímia, porque não queria deixar nada às noras e ganhou artrites; deixou de caminhar porque se zangou com os vizinhos e vendeu a horta; deixou de procurar coisas novas, porque se assumiu como velha.

E com todas estas opções tornou-se velha.

Aos poucos começou a ficar senil e a esquecer-se dos medicamentos e das velas acesas. Começou a temer e a sismar que a roubavam os filhos e os netos. E deixou de poder estar sozinha em sua casa, onde era de facto quem mandava, porque ninguém quis o peso na consciência de deixar assim morrer a sua mãe.

Então começou o seu périplo pelas casas dos filhos que, frustrados com a constante falta de reconhecimento ou bons modos e zangados pelos ataques ferozes e frequentemente injustos, desistiam um a um de tomar conta dela, de a ter em suas casas. À medida que mudava de poiso, maldizia a casa e onde viera, de forma audível e rude, insinuando maus tratos e abusos. Se a princípio havia desconfiança entre os irmãos, com a verificação de que o padrão era o mesmo para cada um deles, foi-se gerando um clima de insatisfação, até que passado o último reduto de tolerância, todos decidiram pô-la num lar de idosos.

O lar é muito bom, mesmo. E nota-se que as pessoas lá a tratam bem e também gostam dela. Certamente deve ter os seus acessos de fúria, mas está bem tratada. No entanto, é inegável o quanto envelheceu nestes meses e como se molham os seus olhos quando se lhe pergunta como é que ela se está a dar no lar.

Uma onda de compaixão invadiu-me, quando a vi. Mas, algumas horas depois, tornou-se claro que a sua rigidez, soberba e ausência de consideração tornariam impossível a convivência ou a paz... E então aceitei.

Aceitei que as pessoas que amamos nem sempre são quem gostaríamos que fossem e que nem sempre podemos ou temos a capacidade de fazer por elas tudo o que gostaríamos. Aceitei que a minha avó também tem ainda muito que aprender e que essa caminhada é só dela e nada do que eu diga ou faça a tornará uma pessoa mais doce, nem mais feliz... A única coisa que eu realmente posso fazer é aceitá-la tal como ela é, preocupar-me com ela e continuar a meter-me com ela como até aqui. Ser feliz, ou não, é uma opção apenas sua.


Às vezes as verdades de La Palisse também custam a aceitar.

Sem comentários: