sexta-feira, junho 16, 2006

José Pedro Gomes está de volta para 'Coçar onde é preciso'

Um dia, José Pedro Gomes teve de tratar do passaporte, foi à Loja do Cidadão e, depois de três horas à espera, queixou-se à funcionária. "Não se enerve senhor António Feio, ainda lhe rebenta uma coisa na cabeça e enche-me a papelada toda de sangue", responderam-lhe. Pouco importa se esta história aconteceu de verdade ou não. O que interessa realmente é que ao integrá-la no seu mais recente espectáculo, Coçar onde é preciso, José Pedro Gomes revela uma das maiores qualidades de um humorista a capacidade de se rir de si mesmo, até mesmo do facto de muitos trocarem o seu nome ou de ter visto a morte a passar-lhe mesmo ao seu lado.

Em Março deste ano, quando estava a meio do espectáculo Laranja Azul, começou a sentir fortes dores de cabeça. Levado para o hospital, diagnosticaram- -lhe um aneurisma cerebral, foi operado e ficou duas semanas internado. "A doença teve um impacto que eu não imaginava nas outras pessoas, pessoas que eu nem sequer conhecia. Senti um apoio enorme e isso comoveu-me", conta. A "malacueca", como ele lhe chama, deixou-o mais magro e mais atento aos sinais do seu corpo. Mas José Pedro Gomes não desarma e fala dela com à-vontade, dentro e fora do palco. "Estou a ficar velho", diz, a certa altura, quase no fim do espectáculo. O actor garante que o texto foi escrito muito antes da doença, mas os risos suspendem-se por momentos na sala quando o actor refere os cabelos brancos e o modo como passou a "encarar a morte como uma coisa inevitável".

Esta é a primeira vez que se atreve a montar um espectáculo só com material seu. Ainda convidou Luísa Costa Gomes (que tinha feito o texto de O Último a Rir em 2003), mas quando percebeu que seria difícil combinar as disponibilidades decidiu avançar com textos de sua autoria, uns que já tinham sido apresentados na sua crónica na TSF, outros ainda inéditos. "Nenhum texto foi escrito para o espectáculo porque, depois da malacueca não tinha condições para escrever", explica. Sónia Aragão ajudou-o na selecção dos textos e assina a encenação de Coçar onde é preciso. Sozinho em palco, como também já tinha acontecido em O Último a Rir, José Pedro Gomes sente-se um pouco desamparado "Não se pode lançar um olhar aflito a ninguém", diz. Sem colega para lhe dar as deixas, o actor confia no público para lhe determinar o ritmo do espectáculo ou para lhe inspirar as inevitáveis "buchas". Nos últimos ensaios, com amigos sentados na plateia, tentava estabelecer um alinhamento "mais ou menos definitivo". "Mas há sempre coisas que mudam", garante.

Coçar onde é preciso é um espectáculo sobre o "portuga", com os seus defeitos e as suas manias. "O portuga também sou eu", diz José Pedro Gomes, garantindo que todas as histórias ali contadas são verdadeiras ou inspiradas na realidade. Do pesadelo das férias no eco-resort à descoberta dos diferentes tipos de sanitas, da dificuldade em perceber a sinalização nas estradas portuguesas até à aventura dos pacotes de leite. Nem sequer falta Mona Lisa, a mulher mais cobiçada dos últimos tempos. Os políticos também lá estão, claro, porque este é um país de "jeitosos" e "chico-espertos" onde "a javardice é democrata". Este é o país do "desculpem lá" país onde toda a gente tem opinião sobre tudo mas ninguém se quer comprometer. "Desculpem lá, mas eu já estou a ficar farto."

Na impossibilidade "pôr o País a zeros", José Pedro Gomes propõe-se Coçar onde é preciso. O espectáculo estreou ontem e vai estar este fim-de-semana no Fórum Machico (Madeira), passando depois pela Casa da Cultura do Cartaxo (dia 10) e pela Casa da Cultura de Figueiró dos Vinhos (dia 16). A partir de dia 21, fica na Casa do Artista, em Lisboa, como de costume até que o público queira.

in DN Online, 3/9/2005

Também passou por Estarreja no dia 8/6/2006 e eu fui com os meus pais :)

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