segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Os limites da entrega



A larga maioria dos meus amigos são rapazes. Não foi sempre assim. Houve uma fase da minha vida em que eu achava que tinha de ter uma melhor amiga, como todas as meninas, a quem contaria todos os meus segredos e pensamentos e que seria a minha grande companhia.

Irónico que agora quando penso nisso percebo que era uma busca semelhante àquela que tantos adultos fazem da sua cara metade. No fundo, aquilo que eu procurava era alguma paz, descanso e conforto. Acabar com as inconstâncias, não ter de me preocupar nem esforçar muito: tinha aquela amiga, se todo o resto falhasse. Obviamente que isto não resultou bem. Em breve tornei-me a cola sempre presente, mesmo quando não era requisitada.
Enfim… Há experiências que não nos dignificam no imediato, mas nos ensinam coisas relevantes.

Aquilo que me dá a impressão é que imensas pessoas continuam a ter essa miragem de conforto e descanso perpétuo numa relação à qual se acomodam… A ideia de “terminei a minha busca”… Claro que acho que é possível terminar “a busca”… Mas será possível estagnar? E o velho ditado “Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”? E as relações de anos que terminam porque entretanto as pessoas mudaram e de repente não se vislumbra uma ponta daquilo que era a dinâmica inicial?

Onde é que começa a incoerência consigo mesmo e acaba uma certa plasticidade que é até importante em qualquer relação social? (estou-me a lembrar de repente de uma série de pessoas que conheço e adoro que não têm nada a ver comigo em termos de interesses e formas de estar… E no entanto funcionamos muito bem e gostamos de estar juntos/as...)

Hoje em dia não sou minimamente próxima, nem tão pouco amiga de qualquer das duas “amigas de infância” em que tanto investi. Durante muito tempo tive dificuldade em confiar em alguém qualquer coisa de mais “minha”, adoptei o sistema dos diários, onde escrevia tudo o que pensava. De qualquer modo, suponho que aquilo que apreendi acima de qualquer outra coisa é que não podemos esperar que os outros nos respeitem se não fizermos isso acima de tudo.

Não podemos esperar que os outros atendam à nossa dignidade e susceptibilidades se as entregamos de bandeja e por meio tostão. Por mais tentador que seja a miragem de poder confiar alguém com aquilo que mais “nosso” temos, essa entrega não pode ser senão gradual, lenta, natural… Entregar-nos é algo que leva tempo seja em termos íntimos, seja em termos sociais mais superficiais… E mesmo assim, estamos sujeitos a ser deixados cair aqui e ali… Mas pelo menos a queda não tende a ser tão alta e há alguma rede para nos suportar e amortizar a queda.

Ao concluir este texto lembro-me de uma conversa simpática com um bom amigo que me dizia que o segredo dele era não esperar nada, ou tentar esperar o mínimo das pessoas: assim, o que quer que fosse que viesse era bom.

Não é má política, não senhor. :) *s

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