Até ao ano passado eu apenas sabia que "cancro=mau" - ok, talvez imaginasse que "cancro=muito mau", porque por vezes "cancro=morte".
Desde há um ano para cá, como uma praga, tenho assistido a mais e mais gente à minha volta padecer desta doença e vi-a "encarnar", tomar forma, ganhar rostos que me são familiares e ganhar voz, porque embora tabu em muitas situações, começou a ser um tema mais frequente de conversa entre todos.
Hoje em dia, mais que qualquer outra coisa, para mim, "cancro=dor" e normalmente "cancro=muita dor", física (pela doença e pelo tratamento) e psicológica (pela real possibilidade de morte, pela negatividade das perspectivas, etc).
E "cancro=frequente".
Há um ano, quando um grande amigo, prestes a acabar o curso de Medicina falava comigo acerca do seu recém descoberto linfoma, lembro-me de ficar estarecida com a forma como me disse calma e friamente "eu não estou zangado por que sei que não há nenhum Deus por aí a decidir quem é que merece ter cancros e não. Eu sei as estatísticas e sei que poderia ter acontecido a qualquer um, embora com a minha idade fosse altamente improvável."
Por isso eu também sei que "cancro=impossível de prever".
Hoje fui de novo confrontada com esta realidade. Desta vez foi uma pessoa que me é particularmente querida e que possivelmente tem uma forma de cancro especialmente má. E não consegui parar de soluçar com toda a baba e ranho durante um bom bocado, não pela falta que indubutavelmente me fará se morrer antes de mim (seja qual for o motivo) mas pela provação que ela e o marido em particular terão de enfrentar os próximos tempos...
Não existem palavras para esta sensação esmagamento... E ao contrário do meu racional amigo, sim, eu sinto-me zangada - sim, por mais estúpido que seja dizer que achamos injusto estar a chover...
Curiosamente, recebi hoje um mail que dizia que "viver é estarmos sempre preparados para dizer adeus". Oxalá a única dor dos adeus fosse a da saudade...
1 comentário:
o problema é q nunca estamos preparados ou sequer temos noção de efemeridade até as coisas nos baterem à porta. dei por mim a pensar como tinha dado por adquirida, uma pessoa tão extraordinária...
ainda assim, o que vejo como mais admirável é a capacidade de adaptação. hj foi isso que mais me tocou qdo entrei na casa deles e vi q sobreviviam a uma ausencia qs sufocante.
João
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