sexta-feira, outubro 05, 2007

O Perfume

Ela não gostava do perfume dele. Era forte e doce e incomodava-a.
Cheirar o pescoço da pessoa amada, enquanto lhe dava um abraço intenso era um ritual que lhe agradava particularmente, e toda a actividade de “respirar” a outra pessoa era algo a que dava realmente muita importância.
De entre as pequenas grandes coisas de uma relação para ela estava o sentir o cheiro da outra pessoa colado a si após um encontro, esgueirando-se e espreitando inesperadamente em determinados movimentos. Apreciava como cheiro ficava entranhado na sua pele e cabelo mesmo após o banho, como ele era intenso quando vestia uma peça de roupa da outra pessoa, como ele lhe dizia inequivocamente que a outra pessoa estava na sua vida.
Mas neste caso, e embora ela conseguisse distinguir o odor dele e o do perfume, o significado do cheiro não conseguia superar o facto de aquele não era, para ela, um odor aprazível.
Acrescia claramente e espicaçava a sensação de desagrado relativamente àquela fragrância o facto de sentir que aquele perfume era um laço que o unia a um passado relacional de que ela não fazia parte.


Ele usava aquele perfume havia anos e até tinha uma embalagem de viagem.
Tinha sido uma oferta de alguém que o conhecia excepcionalmente bem e desde então o perfume tinha-o acompanhado em muitos momentos importantes e marcantes da sua vida, como se fosse uma espécie de contínua banda sonora aromática.
Identificava-se profundamente com o seu perfume e ele era uma das poucas constantes da sua vida que se mantivera perante as muitas e duras mudanças que tivera de enfrentar nos últimos anos.
Após o primeiro frasco, tornara-se um presente frequente, algo que lhe ofereciam as pessoas mais próximas nas ocasiões mais distintas e que implicitamente revelava um laço forte de conhecimento e atenção, porque as pessoas não só conheciam o seu perfume como sabiam quando ele estava a acabar.
Aquele simples e comercializável frasco a que não devotava muita atenção constituía uma opção que não mudaria de mote próprio.

De alguma forma aquela era a metáfora perfeita da relação que tinham tido. Ela disse-lhe que não gostava do perfume dele; ele nunca o mudou nem deixou de o usar com ela.

O perfume não lhe era intrínseco, constituía uma opção. No entanto, não se tratava de uma opção banal; tratava-se de uma escolha a que quer se dê muito valor quer não, o acompanharia quotidianamente e, de forma mais ou menos explícita, faria parte da sua identidade, lhe diria que algo se tinha modificado.
Ao dizer-lhe que não gostava do perfume dele, ela estava desde logo a dizer-lhe que ele teria de mudar. Ao não estar disposto a mudar ou sequer a abdicar de usar o perfume com ela, ele estava a dizer que não faria concessões com facilidade.

Mas o simples e evidente facto permanecia que o perfume dele era para ela desagradável e que ele não abdicava dele. Não obstante, a razão porque lhe doía na alma pensar que ele nem sequer se dignava a não o usar nas ocasiões em que se encontrava com ela, era a clara intuição de que aquela relação jamais poderia funcionar.

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