segunda-feira, novembro 01, 2004

"Ouvi um grito na noite
Esse grito ecoou por toda a casa
E eu gelei
E tremi
E por dois segundos morri
Com o pânico ardendo
Em brasa na minha alma.
Acordei sobressaltada,
Havia dormido inquieta
Pois os canhões do meu sexto sentido
Não queriam que eu descansasse.
Corri, mais veloz que o vento para te chamar
-Consola-me!, disse
Mas não tardou muito para que eu visse
aquilo que te tinhas feito.
Olhei para ti
E a minha alma esvaiu-se num grito
E eu corri,
num sobressalto aflito
Agarrando-te
E colando-te ao meu peito
Para te dar um sopro de vida.
Mas tu não acotrdaste, filho.
Tu não olhaste para mim
com os teus olhos
de água e luz
tu não me brindaste com teu sorriso
Tu não respondeste ao meu apelo desesperado.
Ficaste ali,
inerte,
Quieto e frio,
Com a cabeça encostada ao meu peito.
E eu chamei-te
e gritei,
e rezei,
e implorei,
E chorei por ti lágrimas de dor,
mas tu permaneceste no escuro
e na prosa da tua morte.
Baixei a cabeça
E agarrei-te com mais força, o coração a explodir numa dor absurda
Como foste capaz de te matar
e me matar contigo?
Não percebes qe a tua alma é a minha
E que contigo morro eu também?
Bati-te
E abracei-te a seguir,
Porque te bati de raiva,
de fúria,
De impotência
de não te poder resgatar
E de não te ter impedido
Que espécie de mãe sou eu
Que não te previ?!!!
O teu sangue cobria a minha
camisa de noite
quase toda
mas não fazia mal.
Não era um sangue estranho
era também o meu sangue
que circulava fora do meu corpo.
No surrealismo desta situação
em que te tentava inutilmente recuperar
lembrei-me que és o meu bebé,
a minha coisa pequenina
que chora de noite
e procura abrigo no meu seio.
E fiquei muito tempo ali,
a embalar-te
contra mim,
até os outros chegarem
e te levarem para sempre,
e a mim contigo.
E agora que partimos,
Vivo o resto da nossa vida
tentando que os outros se lembrem de ti,
meu anjo,
daquelas coisas fantásticas
que fazias, daquilo que nos legaste...
Até ao dia em que nos reencontraremos...
Sabes,
Já não estou zangada contigo.
Perdoei-te faz tempo.
Já não grito à noite,
nem choro convulsivamente todos os dias
E, às vezes, consigo mesmo dormir.
E amo-te muito, meu filho.
Adoro-te,
tal como te adorava em vida,
Apesar de não o teres percebido muito bem,
Senão não terias sido tão mau para ti.
Tens paz agora?
Conciliaste-te contigo, agora
que não vives mais?
Perdoa-me, meu filho,
e perdoa-te
pelos nossos erros,
perdoa-nos minha vida,
pelas nossas maldades,
E descansa em paz, meu amor querido,
Que quando chegar a nossa hora,
que morrerei também e reencontrar-nos-emos
Na luz do outro lado.
Até lá,
Fica com Deus, meu filho,
e porta-te bem,
Está bem?
Não dês muitas dores de cabeça
àqueles que estão contigo
E manda beijinhos meus aos teus avós.
Adeus"


(escrevi este poema em 1998, depois do suicídio do filho de uma professora de português lá da nossa escola que eu conhecia relativamente bem e sempre gostei muito dele, apesar de algum melodrama... Reencontre-o hoje ao arrumar o quarto :) )

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