quarta-feira, setembro 01, 2004

Eu disse a mim mesma que não falaria sobre a questão do aborto e do "barco do aborto" no blog pelo seu cariz polémico.

Disse, mas retiro.

A sério, acho que é uma questão tão ridícula, tão hipócrita e tão mesquinha que não posso deixar de me pronunciar.

1) Detesto o aborto. Acho que num mundo perfeito ninguém jamais faria um acto destes.

2) Infelizmente, não vivemos num mundo perfeito. Assim, não obstante as proibições legais, todos os anos, centenas de mulheres portuguesas dirigem-se a países onde não é proibido fazê-lo.

3) Como consequência, as mulheres que não têm posses para se dirigir a esses mesmos locais submetem-se a intervenções que demasiado frequentemente resultam em danos graves à sua saúde e mesmo à sua vida.

O que me aborrece verdadeiramente nesta questão é muito menos a questão da escolha do que a questão da igualdade, um dos primeiros princípios fundamentais da nossa Constituição e um bastião do Estado de Direito Democrático.

Que se seja contra o aborto é uma coisa. Condescender com práticas clandestinas que perigam a saúde de centenas de mulheres apenas porque não tiveram dinheiro para ir a Mérida ou a Londres como outras mais afortunadas é voltar à distinção entre cidadãos de primeira e de segunda.

Se queremos reduzir a incidência de abortos, então se calhar devíamos trabalhar mais no campo da educação sexual, do planeamento familiar, das condições de vida das pessoas, etc!

Pôr a cabeça debaixo da areia como as avestruzes não é solução para absolutamente nada. O aborto continua a existir no nosso país com a agravante de ser em condições absolutamente terceiro-mundistas... Vãos de escada e cruzetas... Por favor...

A meu ver, legalizar e sobretudo fiscalizar esta prática é a única forma de garantirmos que ninguém pratica aborto além do tempo de gestação aceitável, sem perigar a mãe e o feto, especialmente se o critério for apenas não poder ir a um sítio seguro, como é agora.

Esta questão revolta-me profundamente.

Discutam o que quiserem sobre a filosofia do Direito sobre a vida e a morte de quem quer que seja sobre quem quer que seja, agora, por favor, não vamos continuar a fechar os olhos e a virar a cara à realidade em que só quem não tem dinheiro não pratica o aborto com segurança... E não vamos continuar a ignorar esta questão... Por favor...

Vamos parar de matar com indiferença e ignorância.

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