quarta-feira, agosto 12, 2009

In equívoco

Apesar da vocação maternal e espírito protector que a tornaram a verdadeira matriarca da família, nunca teve filhos.

Em vez disso, adoptou os irmãos mais novos e os sobrinhos, quase todos afilhados, não por acaso.

Fisicamente, eramos e somos muito parecidas: maxilar largo, nariz igual e mais alguns traços indubitavelmente familiares. Partilhávamos uma relação de inequívoca e indisfarçável cumplicidade e afecto.

Era de tal modo óbvia a nossa parecença e afecto que sempre que passeavamos juntas por Barcelos, e apesar de ser uma pessoa bastante conhecida na cidade, quando encontrava alguma amiga ou conhecida a pergunta era incontornável:

"É sua filha?"

Era um procedimento tão costumeiro que me habituei a brincar com o assunto e divertia-me respondendo

"Sim!"

Ao mesmo tempo que ela respondia

"Não."

Depois, ela virava-se para mim e dizia "Oh Lena!" e para a outra pessoa "É tão patarata! É minha sobrinha/afilhada".

Se estivessemos com tempo e a pessoa sorrisse, eu insistia dizendo

"Oh mãe, lá estás tu a renegar-me! Não percebo porque é que tens vergonha de mim!" - e depois com um ar muito sério para outra pessoa "Não conta a ninguém que tem uma filha, é impressionante."

Acabavamos sempre a rir desta diabrura que ela repreendia com o sorriso feliz e orgulhoso de ter uma sobrinha/afilhada que insistia em se passar por sua filha.

Naquela Quinta-feira, segui o meu pai ao gabinete da médica que "queria falar com alguém da família da paciente". Havia uma estudante de Medicina com ela que nos observava como aos peixes de um aquário.

Ela deu a notícia da irreversibilidade dos danos devagar e com suavidade, como quem ministra uma injecção de penicilina, já com muita experiência.

Foi suave, mas firme: ia acontecer o pior.

À medida que as frases se sequenciavam da maneira que nós os "Psis" ensinamos que se deve fazer, as lágrimas começaram a rolar-me pela cara, sem parar, grossas e indisfarçáveis, apesar das minhas tentativas de controlo.

Eu queria fazer-me forte, mas não consegui. Virei-me de costas enquanto a médica acabava de dar as notícias ao meu pai, estoicamente assimilando tudo.

Quando acabou e eu me virei, um pouco mais recomposta, ela perguntou-me:

"É sua mãe?"


Foi a última vez que alguém perguntou.

3 comentários:

La fille disse...

acho que foram as palavras mais bonitas que já li!

Unknown disse...

Bom dia Loopy.

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O filho do Toni disse...

Ó Marta, e quem é que se interessa por estas estórias? seria o livro mais inútil desde que publicaram o dicionário de Francês-Francês!