sábado, julho 18, 2009

Timidez

Não sou uma pessoa tímida.

Por outra, não sou uma pessoa introvertida, que isso de sorrir a estranhos e dizer superficialidades é uma coisa, mas contar as dúvidas existênciais da minha alma e coração são outros quinhentos completamente diferentes. Mas chamemos-lhe timidez, apenas por uma questão de simplificação linguística.

Nas últimas semanas, no entanto, tive por algum motivo (bem, eu sei o motivo) ataques de timidez aguda, incapacitante para fazer as coisas mais inócuas.

Não é uma sensação boa, mas há coisas que eu preciso de me lembrar quando alguém se queixar timidamente dos incómodos que a sua timidez lhe causa:

  • A timidez é dolorosa, é querer fazer uma coisa e racionalmente perceber que não tem problema, mas não se ser capaz de a fazer.
  • É esperar uma punição por um acto simples, uma punição abstracta mas cheia de vergonha e de repreensão social.
  • É dificil uma pessoa queixar-se de timidez. Todas as outras pessoas dizem simplesmente "então porque é que não fizeste? Ah, eu tinha feito", como se fosse a coisa mais natural, simples e óbvia à face da terra
  • A timidez é uma profecia que se auto cumpre: a pessoa fala com os outros na defensiva, que por seu turno depois reagem de acordo, confirmando os receios do(a) tímido(a) que se sente "mal acolhido"
  • Ser tímido é esmagador. É sentir que haverá sempre alguém a ver quando fizermos uma asneira ou disparate e antever o pior cenário quase sempre.
  • A auto-repreensão de "porque é que eu não perguntei?" "porque é que eu não fui" não ajuda lá muito à festa, mas acontece. E depois ainda acresce o ficar a magicar o que teria sido hipoteticamente.

Pergunto-me se me serei capaz de recordar disto da próxima vez que estiver com uma pessoa tímida a conversar sobre o assunto...

3 comentários:

Anónimo disse...

tímido sou eu.Só me apaixonei uma vez na vida. Tinha 17 anos. Era do metal. A minha banda favorita era os Helloween. Tinha calças de ganga elástica de verdade. Compradas no mercado de Ovar. Experimentadas dentro da cena de vender onde guardavam o filho, numa alcofa, que me deve ter visto os pintelhos a sair por fora das minhas cuecas dos desenhos. E uns ténis Reebok. Que comprei em segunda mão. Era mesmo do metal. Conheci a L. quando ela tinha 15 anos. Apanhávamos o mesmo autocarro para a escola. Já a tinha visto várias vezes. Sempre do outro lado da paragem. Com livros de poesia sobre vampiros. Em inglês. Nunca tive coragem de lhe falar. Até porque eu só lia os irmãos Hardy e o Adrian Mole. Um dia arrisquei com um "então?" e ela "então o quê?" e eu comecei a chorar e fui para casa a correr. No dia a seguir fingi que não a vi e entrei assim rápido no autocarro mas tropecei no degrauzinho e caí cá para fora de novo e ele arrancou e passou-me por cima da mochila e esborrachou-me a sandes de queijo que tinha para o meio da manhã e o pacote de Caprisone de maçã. Dois dias depois tentei de novo. Ia dizer qualquer coisa mas saiu-me um grito um bocado de saliva pela boca que lhe aterrou no caderno e ficou a reluzir e ainda tentei limpar mas aquilo só espalhou e borrou o desenho que ela tinha feito a caneta preta e quando tirei a mão ainda lhe toquei nas mamas e tive uma erecção que se notou e desatei a chorar e fui para casa a correr. Achava que tinha fodido tudo. Mas no dia seguinte encontrámo-nos à hora de almoço. Eu almoçava em casa. Ela não. A mãe dava-lhe dinheiro para ir ao Centro. Mas tinha-se esquecido do estojo de desenho. Eu tinha a minha t-shirt de Manowar. Ela uma dos Dead by Death. E eu virei-me para ela e digo "granda primeiro álbum..." e fiz uma pausa e acrescentei "man", porque tinha visto num filme que isto resultava, enquanto dobrei ligeiramente os joelhos e fiz o símbolo da Hang Loose com uma mão e ela "isso é do surf" e eu comecei a chorar e fui para casa a correr. Quarta, levei a minha melhor t-shirt. Dos Morgororororororoth. Do concerto em Cascais. E quando ia falar ela aponta-me para mim e diz "curto" e eu "como sabes?" e ela "a banda" e eu "pensava que já sabias daquilo da piscina" e ela "o quê?" e eu comecei a chorar e quando ia começar a correr para casa ela disse "chamo-me Sofia." e eu disse que me chamava S., só S., mas que os meus amigos me chamavam Asshole e ela disse que era a mesma coisa e eu disse que o segundo era inglês e ela perguntou qual era a diferença e eu disse que era na maneira como se pensa no nome e ela vira-se para mim e diz "esses não são nada maus" e apontou para a minha t-shirt e eu viro-me para ela e eu disse que curtia mais do segundo álbum e ela disse que também preferia o segundo mas que a melhor música deles era a última do primeiro e eu "aquela do solo que vai assim neun neun neuuun neuuun neun neuen neeuuuun?" e ela "essa mesmo!" e eu continuei "neeeun neneneunuenune neuuuun enuuuun enueeeenueeeeueeenuen" e inclinei assim o corpo como se estivesse nos Iron Maiden a tocar guitarra e ela começa a fazer headbanging e eu a tocar air guitar e depois ela faz stage diving do cimo do banquinho da paragem de autocarro e bate de testa no chão mas levanta-se num salto e diz que não doeu e eu faço aquele simbolozinho do metal com as mãos e digo "metalapioress, modarfucars" para os gaijos do outro lado da rua e ela "rock on!" e eu "tan tan taaan tan tan tannaaan tan tan tannn tan nanan" e ela "g'anda malha" e eu "iá". Perguntei-lhe que ia ter e ela "Desenho e depois Estudos Sociais, e tu?" e eu disse que ia ter Biologia e depois furo e depois EF e ela perguntou-me se podia esperar por mim para irmos para casa juntos e eu disse que sim e quando dei por mim, estava na aula de Biologia a escrever o nome dela dentro dum anel aromático de Difenilmetano. Estava apaixonado.

Carlos Afonso disse...

hahahahaha!! este anónimo tem de ser descoberto! genial! foi só rir!

La fille disse...

é tão perspicaz a tua observação, nitidamente de alguem recentemente tímido! :) eu introvertida, há 23 anos, com vergonha de toda a familia desde miuda,não poderia descrever melhor esta condição...

obrigada